quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Lembranças.

Ela tinha dois filhos. Tinha também dois ex-namorados, um deles ex-marido, pai dos filhos. Nos conhecemos durante uma discussão ideológica que logo descambou para uma conversa pessoalógica. De Marx para o tango; de Durkhein para MPB; e a cartada final: de Hobsbawn para a gastronomia. Já sentia seu olhar sobre mim há certo tempo. Tampouco me preocupava com isso. Mas a discussão foi o ponto de partida. Em determinada altura, muito séria com seu copo de café na mão, ela perguntou: namora? Que pergunta capciosa, pensei. Não titubeei. Não mais me esconderia. Respondi então: Não mais. Terminei com uma menina faz alguns meses. Juro que nesse momento vi seus olhos brilharem. Sua reação não poderia ter me causado maior surpresa. Disse ela: janta comigo um dia destes? Claro, respondi.

No princípio era só a conversa. Pouco depois esperávamos as crianças dormirem. E, a partir dali, conhecia seu corpo de mãe antes dos trinta. As suas intenções eram dignas de respeito. Cansada de homens, em busca de diversidade e, porque não, novas experiências. Não era de todo quadrada: suas diversas tatuagens mascaravam seu corpo nu. O piercing que carregava na língua era, certamente, modernozo. E sabia, como sabia, aproveitar todas as possibilidades na cama.

Os dias eram longos. A noite começava tarde e terminava antes das crianças acordarem. Eu ia embora, embora ela, às vezes, ainda dormisse. Queria vê-la acordar de manhã, quem sabe tomar um café na cama. Mas isto não acontecia. Éramos reféns das sombras e delas não saiamos.

Não era bem amor, talvez um pouco de paixão, não sei. Em verdade, houve pouco tempo para se pensar sobre isto. Não que o affair tenha sido rápido. Não foi. Eu diria que nunca evoluiu. Mantenho a lembrança de seu bafo quente em minha nuca enquanto sentia seus seios em minhas costas. Lembro também de seu perfume e do gosto do seu beijo.

sábado, 18 de outubro de 2008

Dois Dias antes...


(no telefone)

- Isto foi totalmente desnecessário.
- Eu sei.
- Não deveríamos ter feito.
- Concordo.
- Agimos levadas pelo instinto. Deveríamos ter pulado fora.
- concordo.
- Mas eu não me arrependo.
- Também não. Posso dizer uma coisa?


(dois dias antes)

Se encontraram para resolver os problemas do antigo apartamento. Era necessário se desfazer de alguns móveis e entregar as coisas emprestadas da Ana. A conversa ia e vinha e não se podia deixa de notar como ela estava sexy naquela roupa de trabalho. Ela também havia notado que os olhos dela não paravam de olhar. Fazer o que? Fingir que não viu?

Mas o desejo é coisa séria. E as atingiu em cheio. 'deixa que eu te ajudo com isso' ela disse. Ela retrucou 'não precisa' mas ai ela já estava praticamente em cima dela, ajudando com aquele negócio grande e pesado. Os olhares foram instantâneos. A cumplicidade de momentos já vividos falou mais alto e a proximidade dos corpos exerceu uma atração irresistível.

O chão era duro e machucava os joelhos. As roupas já pelo chão formavam um caminho que iniciava na sala. terminou no quarto onde o velho colchão andava encostado na parede. Ali não haveria machucados. nem joelhos nem cotovelos mais sofriam com a suavidade de um colchão nas costas e um corpo feminino em cima dela. Os beijos eram quentes e desesperados, as mãos não tinham mais por onde andar. Os seios dela massageavam as costas que ela exibia deitada de bruços sem preocupação com o tempo e o espaço. escureceu. Na penumbra de noite dois corpos se amavam.

(no telefone)

- Fala.
- Faria de novo.
- Eu também.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

No Coletivo.

A primeira coisa que vi quando ela passou na catraca foram os sapatos. Que sapatos. Uma mulher para usar sapatos como aqueles deveria ser muito original. E ela logo sentou ali, pertinho de mim, de modo que eu a podia ver enquanto olhava despreocupadamente para o lado como se não quisesse vê-la. Mas eu queria.

A segunda coisa que notei foi sua boca. Linda. Minha vontade instintiva era de pular do banco e agarrar aquela boca com meus dentes e língua e percorre-la centímetro por centímetro. Lábios grandes e bem desenhados faziam um belo conjunto com os sapatos. Ah, os sapatos...

Por minutos me distraí. Ao invés de ter pensamentos levianos sobre a vida me encarreguei de pensar o ato de amor. Sim, poderia amá-la eternamente beijando o meio de suas pernas, seguindo por seus seios e terminando em seus lábios. Poderia recomeçar por sua nuca, descendo suas costas até as pernas e conheceria os pés que andam naqueles sapatos. Talvez o melhor seria conhecer não só os pés e o corpo que andava com aqueles sapatos e tinha aqueles lábios. Provavelmente me apaixonaria pela mente que anda de sapatos tão originais que me identifiquei e me apaixonei por ela em um segundo.

E ela me olhou. De cima a baixo como a olhei. Juro que poderia sentir seu perfume e seu calor. Não resisti e disse "que belos sapatos". Ela sorriu e deu uma piscadinha. Mas lá foi ela embora e me consolei com a promessa de encontra-la mais uma vez.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

No Divã.

A verdade é que as sessões tinham pouco de terapia – e muito de feeling no ar. Joana não ia mais ao consultório de Juliana apenas para se queixar de seus problemas existenciais. O entendimento entre paciente e médico havia há muito extrapolado o limite real entre duas pessoas descompromissadas. Havia sim ultrapassado o limite e as sessões haviam mudado bruscamente.

Joana mantinha seu horário como sendo o último, uma vez por semana. Juliana dispensava a secretária mais cedo e aguardava a chegada de Joana. No início a conversa fluía em um caminho só: os problemas de Joana eram a chave de todo o processo. Aos poucos Juliana foi se envolvendo de forma diferente com Joana de modo que, no início, eram apenas carícias e um desejo latente, mas não consumado, de se amarem profundamente.

O fato é que, em um belo dia, Joana tomou a dianteira. Foi armada para a sessão com um poderoso modelito que realçava suas belas curvas e seu rosto de menina. Não só dominou a sessão como tomou as mãos da bela doutora entre as suas. Deitada no divã, Joana olhava Juliana profundamente em seus olhos. A latente necessidade de se enxergarem fez com que Juliana se sentasse de frente para Joana de modo que pudesse observar e escutar seus mais leves movimentos.

Com as mãos de Juliana entre as suas Joana se levantou e arriscou uma aproximação maior. Era capaz de ouvir o baque surdo do coração de Juliana batendo fervorosamente em descompasso com sua respiração acelerada. Seria capaz ainda de atravessar os olhos de Juliana e olha-la por dentro como se fosse a primeira vez.

O beijo, tão aguardado e tão procrastinado até então foi desesperado e agressivo. O divã tornou-se pequeno e o tapete do piso serviria aos propósitos desejados. Desejo, enfim, libertado e a tanto guardado explodia naquela quarta-feira, sete horas da noite.