sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ella Fitzgerald

Era claro que o vinho era seco. Eu o sentia grosso, forte, descendo pela garganta. Cada gole era maior que o outro e a garrafa terminaria logo. Bebia recordando os momentos que não vivi, as saudades que sentia por não ter conhecido ela. A trilha sonora era, obviamente, deprimente. Escolhi o que havia de pior: lamurias em forma de música, que retorciam meus sentimentos e me deixavam ainda mais melancólica. Ao final da garrafa já estava sentada no chão, encostada no sofá. Cantava Cry me a river, I cried a river over you tentando superar Ella Fitzgerald sem sucesso. Lembrava-me claramente de suas palavras em algum dialogo perdido no tempo "não podemos" "não temos esse direito" ou o simplesmente "não é certo". Minha cabeça rodava com aquelas palavras e me lembrava das tantas insinuações que ela havia feito quando conversava comigo. Sorria até não poder mais, mexia comigo e dava umas piscadinhas que me deixavam louca. Sem contar, claro, que me sentia entre o céu e a terra quando estava próxima dela.


De repente, me peguei pensando numa música que ouvira certa vez e que dizia algo como bater na casa da pessoa completamente nua. Tentei me lembrar que música era e achei que era a mesma que dizia algo sobre jogar uma pedra na janela. Algo não fazia sentido, mas gastei bons minutos pensando que situação inusitada seria esta. Eu sabia onde ela morava. Poderia pedir asilo em sua casa ou poderia esperar por toda a noite na frente do seu prédio só para provar que era sim possível.

Em meio a todos os meus pensamentos ouvi uma campainha tocando. No começo não me dei por conta, mas logo percebi que era ali mesmo, em casa. Levantei-me, com dificuldade, admito, e abri a porta. Era ela. Não, não ela propriamente dita, mas outra ela, uma vizinha bastante simpática do andar de baixo. Conhecemos-nos quando ela se mudou e eu a ajudei a subir umas coisinhas em troca da visão privilegiada que tinha de seu corpo. Ela trazia uma garrafa de Absolut debaixo do braço e perguntou se eu tinha companhia. Meu espírito de porco pensou que diabos ela faria se eu dissesse que estava fazendo sexo loucamente com duas meninas no mezanino. Quase falei, mas me segurei e a fiz entrar. Não pensava muito bem, por efeito do álcool. E ela trazia mais!

Ela barrou a Fitzgerald. Eu insisti. Sugeriu uma seleção de músicas de balada. Eu falei que não tinha. Ela olhou pra Ella, pra Piaf, pra Aretha e pro Sinatra. Passou pela Diana e pela Madaleine. Olhou com cara de que você só pode estar brincando e, de repente, me pediu pra esperar. Desceu. Quando voltou parecia a Marylin Monroe de vestidinho branco super acinturado e com um baita cabelão. Não sei como se transformou tão rápido. Coloquei a Ella no maior som e dançamos como nos filmes antigos.

Ficamos ali um bom tempo. Não sei em que parte da noite fizemos o strip tease nem em que parte quase colocamos fogo no apartamento. Mas me recordo do seu colo macio e de seu perfume suave. Me recordo principalmente do seu corpo próximo ao meu quando me acordei, com forte dor de cabeça. Não, não pense que havíamos feito sexo selvagem até o amanhecer. Simplesmente dormimos e, de certa forma, o acaso do destino me fez perceber que a Ella era insuperável para conquistar corações.

3 comentários:

Isa Zeta disse...

Dra Gô.

De cara, simpatizei contigo.

Estou linkando seu blog. Gostei muito da forma como vc escreve. Envolvente..

Marcia Paula disse...

Viva a Ella!Também gosto,querida.Vim deixar uma mensagem e um convite:

Querida,

Estou no time 2 de autoras do abcLES-Portal de Literatura Lésbica,conto com sua presença,às segundas-feiras,a partir de 8 de dezembro, para ler meu livro "As Amigas de Júlia",maiores informações visite abcLES:

http://www.abcles.com.br

Beijos e obrigada.

unno disse...

muito lindo... escreves muito bem...
adorei!